Como dentes de leite ajudam na compreensão do autismo ​

Projeto Fada do Dente usa células dentárias como ponto de partida para pesquisar o cérebro autista
Células da polpa do dente de leite de crianças autistas e não autistas estão sendo usadas em pesquisas para compreender como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta o desenvolvimento e o funcionamento cerebral.
O trabalho é feito no Brasil pela ONG Fada do Dente e foi apresentado pela pesquisadora e criadora do projeto Patrícia Beltrão Braga no VIII Simpósio de Atualização do Transtorno do Espectro Autista, promovido pelo Instituto PENSI.
Os estudos se baseiam em descobertas realizadas a partir de 2006 pelo pesquisador japonês Shinya Yamanaka. Ele produziu uma tecnologia que chamou de reprogramação celular: Yamanaka usou células de pele humana e, usando vírus recombinantes, fez com que elas fossem reprogramadas.
De forma simplificada, é possível dizer que ele fez com que as células da pele voltassem no tempo e passassem a se comportar como células de um embrião. A estas células, ele deu o nome de pluripotentes induzidas ou iPCS. “A partir destas células, a gente pode produzir o que a gente quiser, inclusive células do cérebro”, conta Patrícia.
‌Células do dente de leite podem ser usadas neste processo, que permite testar reações a medicamentos
Desde os primeiros experimentos de Yamanaka, uma série de cientistas passou a usar a tecnologia que ele desenvolveu para estudar condições neurológicas, como o mal de Alzheimer e de Parkinson, ELA (Isquemia Lateral Amiotrófica) e o TEA.
“Se você tem um indivíduo que teve um diagnóstico, você pode pegar as células dessa pessoa, reprogramá-las no que a gente chama de iPCS – as pluripotentes induzidas, e aí produzir as células do sistema nervoso que a gente quiser: progenitores neurais, neurônios etc. Também consegue avaliar como elas se conectam, como conversam entre elas”, diz Patrícia.
No processo, realizado in vitro, é possível, por exemplo, testar as reações destas células a diversos estímulos, como medicamentos, e criar uma plataforma de triagem de drogas. “Nosso grupo faz isso usando células da polpa do dente de leite”, conta a pesquisadora.
Transformadas em neurônios, as células ajudaram a desvendar o funcionamento do cérebro autista
O trabalho do projeto Fada do Dente, iniciado em 2008, já coletou material de pessoas do Brasil todo. Patrícia apresentou trabalhos realizados com células de três garotos autistas que tinham características muito semelhantes. Todos eram não verbais, com alterações cognitivas, movimentos estereotipados, não eram agressivos e, na época, nenhum deles tinha convulsões. O trabalho foi publicado pela revista científica Biological Psychiatry em 2014 (leia aqui, em inglês).
Os pesquisadores pegaram as células da polpa do dente de leite e produziram, a partir delas, as iPCS. Na sequência, criaram células progenitoras neurais, responsáveis pela produção de células do sistema nervoso. A opção do estudo foi criar neurônios a partir de células de autistas, testá-los e, então, avaliar como eles se comportavam e que diferenças apresentavam em relação aos neurônios de crianças não autistas.
Primeiro, foram analisadas as sinapses – conexões que permitem a comunicação entre os neurônios. Os pesquisadores perceberam que a quantidade de sinapses nos autistas era muito menor que a dos não autistas. E conseguiram perceber que essa redução vinha tanto de fatores moleculares quanto de marcadores celulares do processo pré e pós-sináptico.

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